A Comissão Européia comunicou que as exportações de carne brasileira para a União Européia estão suspensas por tempo indeterminado. Em dezembro, depois que missão técnica do bloco registrou falhas no sistema brasileiro de rastreabilidade de gado bovino, a Comissão determinou que a partir de fevereiro só aceitaria carne do País proveniente de estabelecimentos que atendessem a exigências fitossanitárias muito mais rigorosas. Entre as condições impostas estava a obrigação de que os animais exportados tenham permanecido 90 dias em áreas aprovadas pelo bloco e um mínimo de 40 dias no local autorizado antes de seu abate. E essas exigências impunham também que todas as cabeças de gado apresentassem registro no sistema de identificação e rastreamento.
Para operacionalizar tais imposições a Comissão Européia esperava receber lista de 300 fazendas aptas a atender às condições, o que representa cerca de 3% do total atual. Porém, a Secretaria de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura listou um total de 2.681 propriedades, todas inspecionadas. A expectativa européia se baseava apenas no número de estabelecimentos que a Comissão acreditava que o Brasil conseguiria vistoriar dentro do prazo.
Essa é a versão européia. A brasileira é bem diferente. A Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec) avaliou que essa exigência européia de restringir a apenas 300 fazendas como aptas a atender à capacidade exportadora foi "política e provocará efeito sobre o mercado". Com razão, a Abiec pergunta sobre as justificativas técnicas dessa escolha de 300 fazendas, uma vez que esse número abasteceria apenas três grandes frigoríficos europeus. O argumento da entidade era óbvio: se foram feitas exigências e estas foram atendidas, o que importa é essa capacidade de atender, que não pode ser restrita a um número fixo. Os técnicos do Ministério da Agricultura, também com razão, perguntavam como escolher 300 unidades entre 2.681 que atenderam às imposições feitas pela Comissão. Qual o critério para escolher uma e desprezar outra, se todas atenderam o que lhes foi pedido? A partir desses fatos, a diretoria da Abiec desconfiou que o objetivo real da Comissão Européia é "restringir substancialmente as nossas exportações no longo prazo".
Esse é o ponto essencial em toda essa questão. As exportações de carne bovina brasileira somaram US$ 4,5 bilhões no ano passado, 15% a mais do que em 2006, conforme os dados da Abiec. O Brasil é líder do mercado mundial do produto, com participação em 182 países, dominando fatia de 32% do mercado mundial de exportações de carne. E, com forte potencial de expansão no mercado externo, pois, mesmo alcançando as condições de líder no setor, o Brasil exporta só 27% de sua produção. Nenhum outro país produtor conseguiu, na última década, um crescimento tão forte no mercado internacional: entre 1997 e 2006, o volume embarcado de carne aumentou 270% e o valor faturado, 340%, nos números fornecidos pela entidade do setor. Em 2006, o País vendeu US$ 3,5 bilhões em carne bovina e há três anos domina o mercado. Não é difícil, portanto, entender os motivos pelos quais os produtores europeus, especialmente os irlandeses e escoceses, temem a capacidade de produção e de venda dos pecuaristas brasileiros.
Em julho de 2007, técnicos da Comissão Européia visitaram o Brasil e, mais afeitos a questões objetivas e não políticas, rebateram todos os pontos apresentados pelos produtores europeus como denúncias das condições fitossanitárias do gado brasileiro, ressalvadas as exceções impostas por problemas específicos como febre aftosa. Curiosamente, quando o quadro político mudou na Comissão Européia, essa perspectiva técnica também mudou e novas exigências foram feitas até que se encontrasse a desculpa técnica possível para a imposição de proibição plena. A suspensão do embargo russo à carne brasileira feita em outubro era a melhor prova de que o Brasil tinha avançado nas condições fitossanitárias, e o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes, na época, inclusive declarou que essa suspensão do embargo russo ajudaria a "reverter ameaças da União Européia".
A reação do governo brasileiro até agora foi muito tímida frente ao problema. Ontem foi feita uma reunião no Ministério da Agricultura, com a presença do diretor do Departamento de Economia do Itamaraty, mas ações concretas não foram anunciadas. A Secretaria da Agricultura de São Paulo foi em outra direção e falou em representação junto à Organização Mundial do Comércio porque "ficou claro que a decisão européia é política e não técnica e, se o Brasil confia na sua sanidade, realmente o Itamaraty tem de endurecer as negociações". É um fato que os métodos conciliatórios utilizados pela diplomacia brasileira até o momento mostraram-se frágeis e permitiram retaliações dos concorrentes europeus que não conseguem competir com a produção nacional. Está na hora de o Itamaraty mudar de método.
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